Entrevista com a Psicóloga Maria Julia Trevizan 06/12/2019 - 08:30

 

O projeto "Revista Saúde e Trânsito" nasceu da carência que entendemos haver na área da saúde e trânsito, não só aqui no Paraná mas no Brasil como um todo, enquanto um caminho viável para estimular os profissionais a compartilhar suas experiências, a fazer mais pesquisas, estudos na área, pois encontra-se muito pouco para uma área tão interessante e importante à sociedade. Desta forma, a Maria Julia Trevizan, que é a primeira psicóloga inscrita no Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP 08), ou seja, o "CRP 00001", foi escolhida para ser a nossa primeira entrevistada.

A Maria Julia Trevizan é Doutora em Administração - Gestão de Negócios e Mestre em Administração pela UFSC, Especialista em Psicologia do Trânsito, Sócia Diretora da empresa RACIONAL Mat Didático e Recursos Humanos, Professora Titular (aposentada) da PUC-PR onde ministrou aulas para Graduação, Pós graduação e Mestrado nas áreas de sua especialidade, Professora em diversos cursos de Pós Graduação em Instituições de Ensino do Paraná, Ex Presidente do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (1979 a 1982), Ex Conselheira e membro da Diretoria do Conselho Federal de Psicologia (1983 a 1986) e Membro da Comissão de Avaliação Psicológica do CRP-08 na Gestão 2017-2019, entre outras qualificações.

 

 Revista Saúde e Trânsito: Gostaríamos de começar perguntando sobre o início da avaliação psicológica no estado do Paraná. Na sua opinião, quais foram os desafios encontrados nesse período?

Maria Julia Trevizan: Muito prazer estar aqui e conversar com vocês e poder deixar registrado um pouco daquilo que eu vivi e que eu sei sobre avaliação psicológica. Se a gente for retornar bastante tempo nas datas, no Brasil começou em 1958 o primeiro curso de Psicologia e a partir do primeiro curso de Psicologia que foi no Rio de Janeiro, começaram as avaliações psicológicas em alguns lugares, mas precursor da avaliação psicológica mesmo foi São Paulo através do SENAI, tendo trazido o Emilio Mira y López, autor do PMK, para o Brasil por um tempo e ele criou alguns discípulos, como Osvaldo de Barros Santos, que foi o diretor da área de seleção e avaliação do SENAI por muitos anos em São Paulo, e aí a avaliação psicológica começou a desenvolver e a entrar em alguns órgãos pelo Brasil afora, tendo o SENAI como um grande incentivador disso. Quando eu tive o primeiro contato com avaliação psicológica, eu estava no terceiro ano da faculdade de Psicologia, que nós começamos a ter as disciplinas de testes e técnicas de avaliação psicológica. Esse contato que nós tivemos, comparando com o que temos hoje, foi muito arcaico, muito preliminar, muito simples, mas que foi onde começou a montar as questões a respeito da avaliação aqui no Paraná. No terceiro ano da faculdade eu fazia estágio, já aplicava testes para fins de seleção de meninos para cursos profissionalizantes, com meninos de 14 a 16 anos, no próprio SENAI no Paraná. O que a gente aplicava, talvez na memória de muitos, era o INV, testes desse tipo, mas que naquela época e por muitos anos depois, eram quase todos testes importados, traduzidos e aplicados. Entre a tradução e a aplicação, não tinha nenhum estudo feito no Brasil. Era uma tradução que se fosse boa, o teste tinha uma clareza nas coisas, mas mesmo a tradução sendo boa, as tabelas eram importadas, de uma realidade de pessoas de outros países. Mas era o que se tinha, por muitos anos em termo de Brasil como um todo e o Paraná não ficava diferente disso. Em 1971 começou a aplicação de testes para o Detran, para fazer a avaliação psicológica chamado na época psicotécnico. Começou um “bum” na avaliação psicológica porque todos os psicólogos queriam fazer estágio vinculado a essa área e era um campo de remuneração também. Mas por muitos anos, o que se viu foi a aplicação pura e simples de testes fora da nossa realidade, tabelas importadas que não diziam nada das características da nossa população. Depois disso, as universidades começaram a se desenvolver, começaram a ter crítica sobre estas coisas e a gente veio acompanhando e aqui o Paraná um pouquinho a frente de uma série de coisas porque o Paraná sempre levou a avaliação psicológica com uma grande seriedade. Até que nós chegamos nos momentos em que a Satepsi, que é o órgão do Conselho Federal de Psicologia, interferiu nesses testes que eram todos traduzidos e sem tabelas adaptadas, determinou estudos e validade para esses testes na realidade brasileira. Aí foi o grande desenvolvimento da avaliação psicológica no que se refere a testes. No que se refere ao conjunto do que a gente entende hoje como avaliação psicológica, veio um pouco mais tarde, mas junto com essa iniciativa do Satepsi, ou seja, para nós que trabalhamos com avaliação psicológica, o teste é um instrumento da avaliação psicológica, a avaliação psicológica é o todo, que pode ser feita com técnicas de testes psicológicos aprovados, adaptados ou estudados pelo próprio Brasil. Mas a grande questão para um teste ser bom e para poder se tirar do teste aquilo que precisa, não é só uma validade pelo Conselho Federal de Psicologia, não é só um bom estudo, etc, é a pessoa do psicólogo, é a capacidade técnica do psicólogo que está com estes testes, interpretando, avaliando e vendo o todo do sujeito. Esse foi o grande passo que a avaliação psicológica deu para se desenvolver e para  realmente poder ter um papel diferente e respeitado na comunidade do Brasil, mas principalmente aqui do Paraná.

 Revista Saúde e Trânsito: Na sua opinião, o que você destacaria como os principais marcos na avaliação psicológica na atuação do psicólogo paranaense?

Maria Julia Trevizan: Primeiro, o próprio psicotécnico do Detran que trouxe a público e popularizou o psicotécnico, chamado na época; as faculdades e universidades de Psicologia que criaram os cursos, como PUC, Positivo, Tuiuti, mas tantas outras, estou citando só as três maiores de muito tempo, hoje tem mais algumas. Isso fez com que precisasse campo de estágio e tivesse psicólogo disponível para começar a fazer. Na época que me formei, que foi em 73, já faz bastante tempo, não tinha psicólogos que pudessem aplicar isso. Quando me formei, formaram 38 psicólogos e tinha mais uns 5 aqui pelo Paraná. Então nós éramos ultrassolicitados para isso, mas não podíamos dar conta e nem desenvolver a área de Psicologia. Quando as faculdades foram criando cursos, foi tendo acesso a mais psicólogos, os psicólogos que já trabalhavam tinham estagiários que sabiam aplicar testes, que já eram orientados também para isso, e aí a avaliação psicológica veio se desenvolvendo. Mas o marco no Brasil, e o Paraná está junto, foi o Conselho Federal de Psicologia ter resolvido colocar uma ordem na casa em termos de teste psicológico. Foi o grande momento. Neste momento, as pesquisas explodiram, testes novos vieram e hoje eu não sei te dizer quantos, nós tínhamos meia dúzia de testes para aplicar e hoje tem um catálogo enorme de testes. E também a formação destes psicólogos em faculdades sérias aqui, fez com que os psicólogos começassem a entender que o teste é um instrumento na mão dele para ele poder completar e fazer a avaliação psicológica. Então, são 3 marcos aqui no Paraná: o psicotécnico do Detran, as faculdades que abriram e o Satepsi ter normatizado isso.

 Revista Saúde e Trânsito: Quais foram os principais marcos dessa atividade na sua história?

Maria Julia Trevizan: O primeiro foi a minha contratação pelo SENAI para fazer avaliação dos meninos, eu fui para lá aplicar INV e eu tinha que escolher, nessas avaliações, os meninos que tinham maior capacidade para alguns cursos mais complexos e os que não tinham toda aquela capacidade para os cursos mais simples, uma população bastante simples, carente, que tinha bolsa das empresas para poder estudar no SENAI. E aí eu fui, por dois anos, como estagiária, fazendo esse tipo de trabalho. Mas eu tive, como todo mundo tem na sua história, tanto na área de psicologia organizacional, que eu trabalho, como na área de avaliação psicológica, eu tive a figura de uma professora. Essa professora esteve aqui no Paraná dando aula em um curso de Psicologia da PUC por dois anos e ela inclusive que me convidou, depois de ter avaliado meu desempenho, para ser professora no ano seguinte, porque eles estavam com deficiência de professores da área de técnicas de avaliação psicológica. Aí o grande marco foi ter entrado para dar aula na PUC, com dois meses de formada e ter que aguentar esse desafio. Como eu fazia estágio na área de psicologia organizacional, eu achava que eu ia dar aula na área de testes que se usa para avaliação psicológica no trabalho. Para minha surpresa, o conteúdo que me deram era testes de psicomotricidade e avaliação de crianças. Levei um susto. Então eu tive que estudar avaliação psicológica para crianças, psicomotricidade, lateralidade, essas coisas todas para poder dar aula, mas acho que me saí bem, porque no final de dois anos como professora eu fui paraninfa deles. Então foram dois marcos: ter sido contratada como estagiária e depois ter sido convidada a ser professora. E o terceiro, foi ter aberto a minha própria empresa, na área de avaliação psicológica, para funções na psicologia organizacional, e aí passei a atender “n” empresas da sociedade, estive nas maiores empresas que têm em Curitiba. Então estes foram os três principais marcos na minha carreira. Sendo que eu sempre percebendo que precisava de mais instrumentos, de mais estudos, ter uma questão de consistência maior. Desde aquele tempo eu buscava, tinha alguns psicólogos que eu ouvia dizer “mas o teste deu que ele não pode passar ou não pode fazer isso”. O teste não te deu nada, ele só te deu uma indicação como psicólogo para você avaliar num contexto todo. Então eu sempre interpretei dessa forma, mas eu tinha colegas que diziam “o teste deu tanto, que ele não pode atuar”. Mas junte com o que você tem, com a entrevista, com a observação, com os outros conteúdos que ele te passou, junte tudo isso para você poder ver que apesar de um resultado ruim em um teste “x”, a pessoa tem toda a condição e a competência para poder desenvolver aquele trabalho. Então esse foi sempre o jeito que a gente procurou trabalhar.

 Revista Saúde e Trânsito: Professora, você acredita que existem barreiras ainda na formação do psicólogo que trabalha com avaliação psicológica hoje?

Maria Julia Trevizan: Sim, muito, porque você escuta com muita frequência dentro da faculdade e fora da faculdade, o pessoal desvalorizar o teste, vou mais adiante, desvalorizar a avaliação psicológica. Aí para desvalorizar toda a avaliação psicológica, dizem “mas eu não uso teste, eu não gosto de teste”. Mas a avaliação psicológica não é teste, o teste é um instrumento, mas o psicólogo que não é da área de avaliação, ou que não gosta de avaliação, reduz a avaliação psicológica ao teste. A avaliação psicológica, no meu entendimento, não é reduzida e nem deve ser reduzida ao teste. Isso é muito comum dentro das faculdades, se pega aluno dizendo “mas eu não vim para faculdade para fazer teste, eu vim para faculdade para ser psicólogo, ter meu consultório”, e depois normalmente no começo da vida profissional onde ele era chamado para trabalhar em empresa, onde tinha emprego, e empresa pressupunha usar o teste, pelo menos na época, e na avaliação era contratado para seleção. Então esse preconceito ainda existe hoje. Eu tenho empresa que vende material técnico, encontro uma colega e digo para aparecer lá na empresa, na Racional, e a pessoa diz “ah, mas eu não trabalho com teste”. A gente não tem só teste, a gente tem metodologias de avaliação, é diferente do que isso. Então até hoje, o psicólogo formado há muitos anos, com seu consultório, me diz uma coisa dessa. Então eu acho que tem ainda um preconceito com avaliação psicológica, um reducionismo, eles reduzem a gente que trabalha com avaliação a um aplicador de teste.

 Revista Saúde e Trânsito: Os médicos não conhecem muito a história da Psicologia do Tráfego, então é legal ter esta chance. O que se busca provocar nos médicos e até nessa discussão, é uma maior interação entre essas áreas. Tem um psicólogo lá na clínica, tem um médico, mas muitas vezes não se conversam, por questão de horário ou por não entender direito esta interface. O que a Psicologia espera do Médico do Tráfego e como melhorar essa interação entre as áreas? 

Maria Julia Trevizan: Você não pode trabalhar isolado numa das áreas do saber, principalmente nas áreas que tem a ver com a saúde do indivíduo, porque o indivíduo é um todo, ele não é compartimentalizado, não é só problema da psicologia, não é só problema médico. Então, eu vejo que os profissionais, dos dois lados que você está citando, o psicólogo e o médico, deveriam trabalhar numa interação maior. A gente sabe das questões da pressa, do custo dos exames, da pressa do próprio indivíduo que vai lá fazer o exame contrariado, porque é um exame obrigatório, que tem que fazer e se ele pudesse ele não ia, vai achando que em 10 minutos vai embora e não é bem assim. Mas em algum momento estes dois profissionais deveriam fazer alguns contatos, sentar e conversar a respeito do seu trabalho como um todo e em algum caso específico, até a respeito daquele indivíduo que está sendo avaliado, porque isso complementaria e muito a avaliação. Isso faria com que um profissional, seja um médico, seja um psicólogo, que tem uma consistência sobre aquilo que avaliou, possa trocar com outro o que percebeu. Eu sei que no dia a dia, seja Detran, seja em clínicas, seja na Medicina do Trabalho ou dentro de empresas, é uma coisa mais difícil. Mas hoje a Medicina do Trabalho dentro de empresas está muito próximo do Recursos Humanos, às vezes até no mesmo setor, com o mesmo diretor. Isso facilita com que os profissionais tenham uma interação um pouco maior do que em outros lugares. Dentro da empresa é mais comum acontecer, porque os dois trabalham para a empresa, os dois conhecem aquele trabalhador para poder saber de queixas de consultório médico e de consultório psicológico, não está fazendo consultório dentro da empresa, mas de avaliações de acompanhamento. Então ali seria o momento de fazer uma boa interação e poder melhorar. Nós vamos ganhar como profissionais e o nosso propósito, que seja o paciente ou o trabalhador, vai ganhar também.

 Revista Saúde e Trânsito: Nós podemos afirmar hoje que o psicólogo enfrenta alguma dificuldade com relação a imagem dele, a se colocar como psicólogo que trabalha com avaliação psicológica, dá para afirmar isso?

Maria Julia Trevizan: Eu diria que, dentro de certas restrições, dá. Eu colocaria que tem ainda  preconceito de outros profissionais, da própria sociedade, mas tem muito, eu diria, uma boa parte da culpa da postura da gente. Tem profissionais que não tem uma postura ética, adequada, séria, em cima do teste psicológico. Aplica rapidamente, principalmente para estes que são obrigatórios, como porte de arma, avaliação de trânsito, agora avaliação em altura que está obrigatório, atividades perigosas, espaços confinados também. Então, não quero dizer que a culpa é do nosso colega, mas que o nosso colega contribui para isso, contribui. Se é uma atividade obrigatória, que vai ser avaliado para espaço confinado, então eu vou fazer essa avaliação melhor possível, não vou só fazer para cumprir tabela, para soltar um resultado, um laudo, um relatório, que está dizendo se pode subir em uma escada ou não pode subir na escada, se pode ficar em algum lugar de distância, tipo plataforma da Petrobras ou não. Só que já cresceu muito, já evoluiu muito, nós já temos hoje considerado nos meios a seriedade que os testes e a avaliação psicológica têm, em grande parte pelos estudos que são feitos, pela normatização do Conselho Federal de Psicologia e pela qualidade técnica de muitos profissionais. Acho que estes três aspectos fazem com que a gente já tenha bastante evoluído esse preconceito que existia com mais força antes.

 Revista Saúde e Trânsito: Esses fatores, a professora acha que poderia promover maior reconhecimento dos profissionais, dos próprios colegas na área de avaliação psicológica e das instituições também? Tem mais algum outro?

Maria Julia Trevizan: Nos dois, três últimos anos eu estive na comissão de avaliação psicológica do Conselho Regional de Psicologia aqui, fui como voluntária para poder dividir um pouco do que eu sei e aprender um pouco mais com o pessoal novo que está na frente de algumas coisas. Foi uma troca legal, eu gostei porque me atualizei em algumas posturas de avaliação, mas sei que contribuí com algumas coisas. Nessas comissões que o Conselho tem, que envolve psicólogos que têm o interesse em trabalhar na comissão específica, a comissão de Avaliação Psicológica escreveu na revista de psicologia do Conselho oito artigos pequenos, de uma página e meia, não foi com o nome de ninguém, foi com o nome da comissão, porque nós escrevermos a 8, 10 pessoas que às vezes ,por área de especialidade, a gente dividia quem fazia o artigo e o quê, e estas coisas vieram trazendo uma evolução e uma seriedade maior. O lançamento de instrumentos de avaliação melhores, de qualidade, tecnicamente bem estudados, tecnicamente bem-apresentados também, isso tem contribuído bastante para que essa situação vá diminuindo.

Revista Saúde e Trânsito: Com relação aos avanços científicos na área de avaliação psicológica, tem algum ou alguns que você destacaria?

Maria Julia Trevizan: Eu digo que as pesquisas que estão sendo feitas. As pesquisas em avaliação psicológica têm trazido instrumentos e modalidades muito avançadas, são alguns pesquisadores da USP, da Unicamp, que estão trazendo coisas bastante consistentes para a avaliação. Estão fazendo algumas comparações com instrumentos, com tabelas, e isso tem sido um avanço grande. O outro avanço, tem que ver de um lado com a parte comercial das editoras, mas, por outro lado, para nós é um resultado e um avanço muito grande, é a exigência, de novo, do Conselho Federal de que tenham tabelas normativas atuais consistentes e com amostragem do Brasil todo. Este é um marco. Nós que trabalhamos com venda de material psicológico, de testes, nós temos tido um sofrimento para poder aplicar a quantia de protocolos que as editoras exigem que a gente aplique. É assim, para um teste novo que está sendo pesquisado, em cada região precisa de 1000 aplicações de protocolos com resultado para poder ser comparado. Cada região é cada estado, cada pequena região, então isso faz com que tenha um volume de pesquisa no Brasil muito grande e esse volume de pesquisa retrata na qualidade técnica e no avanço desses testes. São pesquisas orientadas por pesquisadores, mestres, doutores, não só das próprias editoras, como dessas universidades que eles contratam para poder orientar nessas pesquisas. Então eu acho que o grande desenvolvimento científico que está sendo feito na parte de avaliação psicológica é a amplitude, a qualidade e a profundidade dessas pesquisas para cada instrumento que vai ser lançado. E ainda, a cada 15 anos, o teste pode continuar válido, mas tem que ter tabelas novas. Isso significa uma passada no Brasil inteiro, pegando pelo menos mil protocolos por região.

 Revista Saúde e Trânsito:​​​​​​​ Falando ainda desse avanço das tabelas, no início você trouxe que nós usávamos tabelas que não eram brasileiras. Então hoje o ideal é no mínimo 1000 pessoas por região do Brasil?

Maria Julia Trevizan​​​​​​​: O 1000 é uma tarefa que as editoras nos dão para cada região. O Conselho Federal pede, se não me engano, 250 por local, só que eles coletam 1000 porque alguns protocolos têm que ser eliminados porque tem algum erro de aplicação, mas, pelo menos, tem que ter 250 de cada local. Se pegar o Brasil todo, imagine o volume que isso tem de número de protocolos. Claro que hoje dá para exigir tudo isso porque nós temos sistema informatizado, temos técnicas e tecnologias que podem processar isso com facilidade. Anos atrás era impossível uma avaliação dessa, ia levar 20 anos e o teste já estava arcaico quando acontecesse de ter uma tabela.

Revista Saúde e Trânsito:​​​​​​​ Antes do Satepsi, em média quantas pessoas eram pesquisadas?

Maria Julia Trevizan​​​​​​​: Não tinha nada normatizado, os primeiros testes que apareceram feitos no Brasil mesmo, eu não vou te dizer que foi o primeiro ou segundo, mas os primeiros que eu me lembro foram G36 e R1. O critério era do autor junto com o profissional da editora. Ele aplicava em “x” pessoas e colocavam lá – aplicado em 289 pessoas, por exemplo, peguei um número aleatório, e ele fazia estudo de correlação com um teste antigo, por exemplo, de correlação com o Raven para julgar o G36. O Raven era um clássico, era um teste que era estrangeiro, que vendeu muito aqui no Brasil porque a gente conseguia entender o manual para ler em espanhol, melhor do que na época se entendia em inglês. Pega o teste Raven e aplica numa determinada faixa de população, pega as tabelas dele e pega as tabelas desse novo teste que propunha a mesma coisa, inteligência não verbal, que é o G36. Então, faz um estudo de correlação, se esse estudo deu acima de “x” pontos é considerado cientificamente correto. Então isso foi o começo. Além disso, se o profissional fizesse um teste novo, ele aplicava nas pessoas que achava suficiente e lançava no mercado.

 Revista Saúde e Trânsito: Considerando todo esse histórico, como você vê o futuro da avaliação psicológica?

Maria Julia Trevizan​​​​​​​: Nó estamos evoluindo, cada vez mais com qualidade nas avaliações. Hoje, aquilo que critiquei no começo que o psicólogo dizia que o teste deu, é cada vez menos. Eu peguei estes testes na mão, eu fiz uma entrevista, eu conversei com ele, eu fiz uma observação e eu compus, com os conhecimentos de Psicologia que eu tenho, um perfil para essa pessoa – hoje cada vez mais se trabalha dessa forma e cada vez mais é observado e avaliado o psicólogo que trabalha assim. Se você pensar, muitos dos testes que nós temos é uma aplicação mecânica que qualquer pessoa com o primeiro grau completo aplica, desde que saiba ler instruções, não precisa nem ensinar, ele lê as instruções e sai aplicando. Mas isso não quer dizer que ele tá aplicando um teste psicológico, ele está aplicando um exercício qualquer que não vai servir para nada. E inclusive abrindo a questão ética e o sigilo do teste que é restrito a psicólogos. Por isso se vai atrás tão fortemente de não se vender, de direitos autorais, quando você pega xerox destes testes ou leigo com testes dentro de empresas, as editoras e o próprio Conselho vão em cima disso, para poder cercear essa prática. Porque senão aplica um teste G36, que citei agora, e diz “deu tanto”, você não sabe o que aquilo pode significar no trabalho da pessoa, na condição dela, tem um índice de correlação de erro dentro do teste G36, por exemplo, que os erros são “mais inteligentes” ou “menos inteligentes”, vamos dizer assim, você compara isso e vê que o indivíduo está numa faixa, mas que  de alguma forma, ele está muito próximo da faixa seguinte porque o tipo de erro que ele fez é um erro parcial, chegou em um momento do raciocínio que ele quase atingiu um resultado. O teste na mão do psicólogo, o psicólogo tem capacidade para fazer estas análises, porque ele tem todo um estudo que é a própria formação.

 Revista Saúde e Trânsito: Tem alguma coisa que a gente não perguntou, que acha que é importante relatar ou alguma mensagem que queira deixar para os profissionais, tanto para os psicólogos ou médicos ou para a população de uma forma geral?

Maria Julia Trevizan: Na realidade mais uma mensagem. Continuar com algumas iniciativas que nós temos aqui no Paraná, especificamente, que é onde eu conheço, porque essas iniciativas é que estão dando certo, que estão levando a gente a um outro patamar, de seriedade na avaliação psicológica. As comissões do Conselho Regional, que estuda, que chega às vezes um caso, um relatório mal escrito para uma avaliação que a comissão de ética mandou, e este é orientado, etc. São cursos que estão sendo dados aqui, sobre desde a resolução que fala dos relatórios e laudos, como é que se faz, até cursos de testes específicos para que os psicólogos possam dominar isso. Eu falei que alguns testes a pessoa pega e pode sair aplicando, mas são alguns, porque a maioria depende de um estudo mais aprofundado e às vezes de uma orientação de outro profissional que tem experiência com aquele teste. Então, o profissional que busque o estudo, busque ir atrás destes cursos, por que com o desenvolvimento das metodologias de avaliação psicológica, com o desenvolvimento dos testes, estão vindo muitos testes novos, com um conceito e uma filosofia por trás muito diferente do que a gente tinha até agora, que tem que entender e compreender isso para poder usar, são mais complexos. Não é do tempo que eu aprendi teste, que praticamente pegava o manual, lia e fazia, a gente era autodidata em teste. Hoje é mais difícil ser autodidata em teste. Alguns órgãos levam a avaliação psicológica com seriedade, pode ser que algumas clínicas e alguns psicólogos não levem, mas que o Detran do Paraná leva, eu tenho certeza. Até porque sei, porque convivo com profissionais de outros estados, e sei que em outros lugares a seriedade não é essa, o acompanhamento e a fiscalização não é essa que a gente faz aqui no Detran do Paraná. Então a qualidade do trabalho pedido pelo Detran do Paraná, mobiliza as clínicas a estarem à altura. Claro que em todas as profissões temos aqueles profissionais que não chegam perto disso, mas eu sei que o Detran acompanha. Acompanhamentos como esse devem ser incentivados e se devem ser melhorados. E deixo um apelo aos psicólogos do Paraná que levem com seriedade este assunto. Estude, leia, pesquise, vá atrás de curso e leve com seriedade a avaliação psicológica, porque se for na clínica você tá dizendo para pessoa que tem uma determinada patologia ou para família e às vezes se você não fez com toda a seriedade que precisa, você não usou todos os recursos que tem na sua mão, você pode orientar um tratamento inadequado. Na questão dessas avaliações que são obrigatórias, que é confinado, altura, Detran, porte de arma, etc., você pode estar ou liberando ou impedindo uma pessoa de atuar naquela atividade e as consequências disso a gente sabe que estão aí, no trânsito, nas armas que estão na mão das pessoas. Então leve com seriedade, se não souber fazer, pare, estude, vá atrás de um colega que sabe, vá atrás da gente lá na Racional, nos temos facilidade, ensinamos e orientamos sem problema nenhum, mas não use a avaliação psicológica irresponsavelmente.

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